Temos
visto ultimamente, principalmente em alguns países europeus, o surgimento de
vários grupos de capoeira cuja característica é a de não se vincular a nenhum
mestre. Grupos que se caracterizam pela autogestão, cujos próprios integrantes
se revezam na tarefa de “puxarem” os treinos e comandarem as rodas. Grupos que
não se vinculam a nenhuma “linhagem” de capoeira. Muitos desses grupos,
inclusive, se baseiam em vídeos do YouTube e outras ferramentas virtuais para
aprimorarem suas sequências de movimentos, golpes, etc.
Entendo
que essa iniciativa é, a princípio, muito interessante, pois as
responsabilidades são assumidas coletivamente, dentro do princípio de
horizontalidade de poder, onde “ninguém manda em ninguém”, onde não existe
hierarquia, a não ser pelo tempo de vivência na capoeira de cada um.
Todas
as formas autogestionárias devem ser saudadas e valorizadas nesse mundo atual,
pois significam formas alternativas de se viver em coletividade, criando novas
sociabilidades que se contrapõem à perversa lógica do capitalismo, em que
sempre tem que haver alguém para mandar (os que têm dinheiro, e
consequentemente poder), e alguém para obedecer (os quem não têm).
Porém,
não podemos esquecer que a capoeira não se trata de mera atividade física, ou
outra atividade social qualquer. Trata-se de uma manifestação cultural
originada de tradições muito profundas, com raízes na ancestralidade africana e
na história de luta contra a escravidão no Brasil. Tudo que a capoeira é nos
dias atuais, foi fruto de um processo histórico em que foram se acumulando
vivências de homens e mulheres que muito sofreram e lutaram, para que essa
tradição fosse mantida e chegasse até os dias de hoje.
O mestre
de capoeira representa o elo entre esse passado de lutas e sofrimentos, e o
presente onde se encontra a capoeira atualmente, espalhada pelos quatro cantos
do mundo. O mestre de capoeira tem a missão quase sagrada, de não permitir que
esse elo se rompa ! De garantir que os saberes envolvidos na prática da
capoeira, sejam transmitidos de forma a respeitar esse passado, a valorizar
essa história dessa gente, de manter a tradição viva, mesmo entendendo que a
cultura é dinâmica e vai se transformando através dos tempos.
Arrisco
dizer que existem princípios vinculados à prática da capoeira que, se não forem
mantidos e respeitados, correm o risco de fazer essa tradição se transformar
numa simples prática corporal, ou num mero produto comercial, ou ainda, apenas
em mais uma modalidade olímpica (como aconteceu com o judô). E sabemos que a
capoeira é muito mais do que isso!
Por
isso, entendo que o papel do mestre é muito mais do que simplesmente ensinar um
movimento ou um golpe. O mestre deve ser detentor de um conhecimento que vai
sendo adquirido ao longo da vida, que vai muito além da sua capacidade física
de realizar determinado movimento. Ele deve ser consciente sobre o papel de ser
o responsável pela transmissão desses conhecimentos para as gerações mais novas.
E por isso deve se preparar durante boa parte de sua existência para poder
cumprir essa missão. Isso geralmente leva bastante tempo e por isso também não
acredito em mestres de capoeira muito jovens. Eles ainda têm muito que aprender
antes de se considerarem mestres.
Então,
pergunto eu aqui com meus botões: como esses grupos auto gestionários lidam com
isso? Preocupam-se somente em aprender e aperfeiçoar os movimentos para
aplicá-los no jogo? E as questões históricas, ancestrais, ritualísticas, que
peso tem para eles? Que preparo possuem essas pessoas para lidarem com essas questões? O que a capoeira perde, quando é encarada
somente como esporte ou prática corporal?
Ficam
essas questões para reflexão, ou pra quem se aventurar a respondê-las!
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